Voto em branco: políticos e eleitores em lados opostos? | Dai Varela

2 de outubro de 2016

Voto em branco: políticos e eleitores em lados opostos?


Vou voltar falar do valor do voto em branco e usar o caso de São Vicente porque foi nesta ilha que os dois partidos derrotados nas Eleições Autárquicas de 2016 interpuseram, em separado, recurso de contencioso eleitoral no Tribunal Constitucional e perderam o caso. E com isso vou tentar entender se os partidos políticos e os eleitores têm concepções diferentes acerca do que fazer com o voto em branco

Vamos por partes para tentar compreende a situação.

Nas Eleições Autárquicas de 20 de Março de 2016, o resultado da votação para a Câmara Municipal de São Vicente (CMSV) ficou assim:



Como podem reparar, o MPD ficou com todas as posições de vereadores disponíveis na CMSV. Como canta os Abba, "The Winner Takes It All". Isto apesar de as outras formações políticas terem milhares de votos. 

Para se entender o porquê disso é preciso saber como são escolhidas as candidaturas. Em Cabo Verde são aplicados dois critérios de eleição:

Sistema eleitoral maioritário: Presidenciais (a duas voltas) e presidente da Câmara Municipal (a uma volta, conquistando todos os mandatos a lista que obtiver a maioria absoluta dos votos válidos; não havendo maioria absoluta, usa-se o sistema de representação proporcional); 

• e Sistema de representação proporcional: Legislativas e Autárquicas (membros da Assembleia Municipal). 

Isto é o que estipula o Código Eleitoral no seu Artigo 433º (Critério de eleição):

1. A conversão dos votos em mandatos para o órgão deliberativo municipal faz-se em obediência ao método de representação proporcional correspondente à média mais alta de Hondt, nos termos aplicáveis á eleição dos deputados. 

2. A conversão dos votos em mandatos para o órgão executivo colegial municipal, faz-se nos termos do nº1, salvo se uma das listas concorrentes obtiver a maioria absoluta dos votos validamente expressos, caso em que lhe será conferida a totalidade dos mandatos.

Como podem reparar, para o presidente da Câmara Municipal, basta que tenha a maioria absoluta para ficar com todos os vereadores.

Lembrando que o voto em branco não é levado em conta nem no apuramento parcial:
Não contam, porém, para o apuramento parcial, os votos em branco. Nº8 do Artigo 227º do CE (Contagem dos votos).

Ora, se os votos em brancos não são levados em conta, o MPD alcança a maioria absoluta com 48,97 porcentos do total dos votos. Significa que leva todos os vereadores (ter em conta o Artigo 433º do CE). 

Lembrando que a maioria absoluta é entendida como mais de metade dos votos validamente expressos. Reparem que em São Vicente, com seus 26935 votos totais, para ser "mais de metade" a candidatura vencedora teria que alcançar 13468 votos. Contudo, nesta eleição o MPD conseguiu 13191 votos. Então porquê foi-lhe declarada a maioria absoluta? Isto porque mesmo quando são somados os resultados dos outros dois partidos (UCID com 28,28% e PAICV com 20,07%) o MPD continua na frente.

Partidos derrotados (UCID+PAICV) - 48,35%
MPD - 48,97%

O entendimento é de que o MPD tem maioria absoluta porque, apesar de não atingir 50% dos votos validamente expressos, tem mais votos do que a soma das outras duas candidaturas, o que é uma espécie de maioria absoluta.

Um história que podia ter sido diferente

Caso os recursos contenciosos eleitorais dos dois partidos derrotados não tivessem sidos considerados improcedentes pelo Tribunal Constitucional, o MPD não teria maioria absoluta e seria necessário aplicar o Método d’Hondt para se distribuir os vereadores. Vamos lá ver como seria escrita a história nesta versão.

Acatando a exigência de que os votos em brancos são validamente expressos e por isso devem entrar na contagem, teremos uma outra questão a resolver: como distribuir esses 469 votos pelos três partidos? 

Bom, eu vou fazer a distribuição assim: dividir 469 por três para ficar assim:
  • MPD – 156
  • UCID – 156
  • PAICV – 157
Notaram que o PAICV ficou com um voto a mais? Basicamente, é uma espécie de aplicação de uma das regras do Método d’Hondt que diz que em caso de empate o lugar (neste caso o voto em branco) é atribuído ao partido menos votado. 

Então, colocando a hipótese de serem admitidos os votos em brancos e sua distribuição pelos partidos, teríamos uma situação assim após a aplicação do Método d’Hondt nos resultados em São Vicente:



Notem que apenas estarão em disputa 8 mandatos de vereadores porque o presidente da Câmara Municipal seria Augusto Neves por ser o cabeça-de-lista do partido mais votado. Assim, o MPD teria 4 vereadores + o presidente da Câmara Municipal, a UCID 2 vereadores e o PAICV também 2 vereadores.

Agora dá para ver o porquê dos recursos de contenciosos eleitorais apresentados no Tribunal Constitucional pelos dois partidos derrotados. Das suas leituras, passariam de zero para dois vereadores na CMSV. Com uma possível aliança pós-eleição teriam o mesmo número de vereadores que o MPD. Porém, não foi esse o entendimento da Assembleia de Apuramento Geral e nem do Tribunal Constitucional.

Voto em branco: partidos políticos e eleitores em lados opostos
Apesar do esforço dos derrotados, o acórdão do Tribunal Constitucional não considerou procedente o recurso e manteve a decisão da Assembleia de Apuramento Geral de São Vicente. Com isso algumas pessoas levantaram suas vozes para reclamar que o TC estava a “retirar” valor ao voto em branco (como se fosse possível retirar algo que nunca teve). Contudo, tenho uma leitura diferente acerca deste acórdão deste tribunal superior. Entendo que com esta decisão o TC colocou-se ao lado dos eleitores. Explico porquê:

Pelo que entendo há uma diferença nas reivindicações dos partidos e nas dos eleitores em relação ao voto em branco. Reparem que os partidos querem que o voto em branco seja contabilizado enquanto o eleitor quer que o voto em branco seja tido em conta. Creio que aqui que reside a diferença: os eleitores que votam em branco querem que isso seja entendido como uma decisão de não concordar com nenhuma das propostas; os partidos políticos não se importam que se vote em branco, desde que na contagem estes sejam incluídos no apuramento. Dá para ver a diferença? 

O que o TC decidiu foi que, se o eleitor não quis nenhuma das listas, porque seria a Assembleia de Apuramento Geral a distribuir esses votos aos partidos? A pergunta agora seria, qual o valor do voto em branco quando no final ele é atribuído a um partido?

Por isso que afirmo que os eleitores e os partidos políticos têm reivindicações diferentes quanto ao voto em branco. E esse acórdão do TC é apenas uma meia vitória dos eleitores porque apenas confirmou-se que os votos em branco não podem ser distribuídos pelos listas concorrentes. Agora faltará o próximo passo que seria dar um peso político a essa forma de votar, ou seja, alcançar algo parecido com o sistema eleitoral da Colómbia que determina que a votação deve ser repetida apenas uma única vez, a fim de eleger de forma mais democrática os funcionários públicos, quando os votos em branco constituem a maioria de todos os votos válidos. E, melhor ainda, nenhum dos candidatos que lá estava poderá se apresentar na reeleição.

Enquanto isso, o voto em branco continuará a ter uma espécie de “utilidade negativa” porque é um voto que não expressou validamente sua opção numa candidatura, retirando um bem ou felicidade a um partido ou candidato. 

Para aqueles que optaram nas Eleições Presidenciais por votar em branco, convido a ler este outro artigo:

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